Os alienígenas azuis são um exemplo de protagonistas das lendas modernas.
Quem não assistiu a Avatar, nem precisa ler uma introdução explicando do que se trata: o filme dispensa apresentações. Quem já assistiu, sabe que a produção de James Cameron é de encher os olhos graças às imagens coloridas e produzidas com moderna tecnologia cinematográfica. Mas não é por causa da qualidade técnica que estamos falando de Avatar, e sim devido à maneira original como esta produção transmite uma mensagem de fundo ambiental.
(Não vou contar o final, mas tome cuidado se você ainda não assistiu ao filme: este texto contém alguns spoilers – revelações sobre o roteiro.)
No enredo, Jake Sully (interpretado por Sam Worthington) é um soldado paralítico que viaja para o planeta Pandora, onde recebe a missão de se infiltrar entre os nativos, chamados de Na’vi, e convencê-los a permitir que os terráqueos explorem suas reservas naturais. Na equipe de humanos, estão a Dra. Grace Augustine (Sigourney Weaver) e o Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), responsável pela missão, que não hesitará em utilizar força militar, se necessário, para alcançar seu objetivo. Ao se misturar com os Na’vi, Jake conhece Neytiri (Joe Saldana), que vai ajudá-lo a compreender um dos princípios mais fundamentais para seu povo: o de que tudo na natureza está interligado. Sua divindade – chamada Eywa – pode ser considerada a própria natureza.
O povo Na’vi lembra um pouco os povos indígenas do Brasil, não por viver sem roupas, mas por desenvolver sua sociedade de forma a obter da natureza o necessário para manter suas vidas, sem esgotá-la. Em outras palavras, a grande lição de Avatar não é simplesmente “vamos viver pelados no meio da selva”. O filme nos avisa que estamos tirando da natureza mais do que ela pode suportar, e o que é pior: para fins que talvez não sejam tão necessários. (Na trama, Neytiri diz a Jake que os Na’vi não precisam de certas coisas às quais dão os humanos tanto valor.)
Pode haver críticas à postura defendida pelo filme de dar mais valor ao espiritual/ambiental do que ao econômico, mas, na verdade, Avatar mostra que a economia pode ser equilibrada com a ecologia (saiba mais), e que uma pode até ajudar a outra. Sem entrar no mérito dos aspectos éticos e científicos que justificam a preservação da natureza, eis um exemplo que podemos tirar do próprio filme.
A árvore versus os seres humanos: quem vai levar a melhor?
O principal objetivo dos humanos em Pandora é explorar um reservatório de unobtanium, um precioso minério. Para isso, seria necessário derrubar uma árvore gigante (sagrada para os Na’vi) localizada bem acima do reservatório. Entretanto, a Dra. Grace alerta o Coronel Quaritch para o fato de que a árvore era uma maravilha da biologia, por possuir terminações nervosas parecidas com neurônios, que poderiam armazenar mais informações que o próprio cérebro humano.
Ora, armazenamento de informações é justamente um ponto crucial para o desenvolvimento da informática. Quantos investimentos não são feitos todos os anos em pesquisas para desenvolver chips cada vez menores e mais poderosos? Portanto, será que tomar a decisão de manter a árvore em pé, investigar suas capacidades especiais e assim aprimorar a tecnologia humana não seria mais inteligente, tanto do ponto vista ambiental quanto do econômico?
Outro aspecto ambiental é abordado no momento em que Jake pede para Eywa proteger os Na’vi dos humanos, ao que Neytiri o adverte: “A natureza não toma partido. Ela só garante o equilíbrio da vida”. Com esta frase, percebemos que os habitantes de um planeta não são mais poderosos do que o próprio planeta, e que as espécies que contribuem para a manutenção da vida, e não para sua destruição, serão preservadas, pela lógica da natureza. Esse tema já foi discutido aqui no Blog há algum tempo:
Na verdade, mesmo que o homem destruísse a superfície terrestre, a evolução faria com que novas espécies surgissem e novos ecossistemas se desenvolvessem. Não voltaríamos ao estado inicial, mas a natureza continuaria seu caminho. Sem a humanidade. (...) Portanto, “salvar o planeta” não é uma expressão muito adequada, pois implica uma relação inexistente de dominação do homem sobre a Terra. (...) Por isso, até certo ponto, a luta pela preservação da natureza é uma luta pela preservação da humanidade. Somos apenas inquilinos do mundo!
Máquinas militares cortando os ares de Pandora: uma luta perdida?
Voltemos agora ao título deste post. O que são, afinal, as “fábulas do século XXI”?
O fato é que Avatar não é a primeira história a utilizar a fantasia embutida com lições de moral para transmitir uma mensagem ecológica (ingredientes perfeitos para os sucessores modernos dos contos de fadas). Outro filme já fizera isso em 2009 e, como Avatar, lançou mão de computação gráfica, criatividade e uma qualidade cinematográfica que lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme de Animação: Wall-E, da Disney/Pixar. Neste filme, a Terra é abandonada pelos humanos, depois de tornar-se inabitável por causa da poluição. Mas a esperança pôde ser renovada quando, séculos depois, a vida ressurge com o nascimento de uma pequena plantinha.
O que torna o filme da Disney diferente de Avatar é que, neste último, o público é estimulado a mudar de atitude não só pela dor que sente ao testemunhar a destruição de um habitat preservado, como também pelo prazer proporcionado ao Ver belas cenas que ilustram o ambiente natural preservado. E o verbo “Ver” aqui tem duas conotações: pode ter o significado tanto de enxergar, no aspecto meramente visual, quanto de sentir a profunda conexão na qual todos os seres vivos – inclusive nós – estão mergulhados. Não é à toa que os Na’vi não se cumprimentam com “oi” ou “tudo bem?”, mas sim dizendo: “Eu Vejo você”.
Que Avatar divirta e entretenha seus espectadores, mas que ajude-os também a refletir um pouco sobre seu próprio comportamento. Tomara que a seguinte fala de Jake seja um alerta, e não uma profecia:
“Lá de onde eu venho, mataram a nossa mãe. E agora, querem matar Eywa”.
Fotos: IMDb
1 comentário(s):
Excelente matéria! realmente imagens belíssimas!
Sds
Kellen
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